A disponibilidade de cocaína nunca foi tão alta, com um aumento alarmante no consumo mundial.
13 de Dezembro de 2024 às 10h31

Cocaína mais pura e acessível: um fenômeno global em ascensão

A disponibilidade de cocaína nunca foi tão alta, com um aumento alarmante no consumo mundial.

Nunca antes a cocaína esteve tão amplamente disponível no mercado global, e o número de usuários tem crescido de forma alarmante. Dados recentes do Relatório Mundial sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2024 indicam que o mercado ilegal de cocaína atingiu níveis recordes nos últimos anos.

A expansão do mercado é impulsionada por um aumento significativo na oferta, resultado da alta produtividade na América Latina, especialmente na Colômbia, Bolívia e Peru, que são responsáveis por quase toda a produção mundial da droga. Além disso, a demanda por cocaína tem crescido em várias partes do mundo, refletindo uma mudança nos padrões de consumo.

Embora o número de apreensões de cocaína tenha aumentado consideravelmente, superando a taxa de crescimento do mercado, a disponibilidade da droga continua a crescer. Especialistas alertam para um fenômeno preocupante na Europa, que se tornou o segundo maior mercado consumidor de cocaína, onde a pureza da droga tem aumentado, tornando-a mais acessível.

“Na prática, a cocaína está mais barata, pois, pelo mesmo preço, é possível adquirir uma substância muito mais pura”, afirma Thomas Pietschmann, pesquisador do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Essa tendência de aumento na pureza da cocaína é observada globalmente, embora os dados mais confiáveis sobre a composição da droga venham de países europeus.

Bernd Werse, diretor do Centro de Pesquisa de Drogas da Universidade de Frankfurt, complementa: “A cocaína que está sendo lançada no mercado é mais pura do que nunca e ainda é vendida a preços comparativamente mais baixos.” Esse cenário de crescimento no consumo de cocaína afeta diretamente países de trânsito, como o Brasil, que se destaca como um importante ponto de escoamento da droga.

A abundância de cocaína no mercado atual é resultado de inovações no cultivo, com investimentos em fertilizantes e pesquisa genética, que têm permitido a produção de variedades de coca mais potentes. Entre 2021 e 2022, a área cultivada de coca aumentou 12%, alcançando 355 mil hectares. Na Colômbia, o país líder em produção, esse crescimento foi de mais de 25 mil hectares, o que equivale a cerca de 34 mil campos de futebol.

Em 2023, dados do Ministério da Defesa colombiano indicaram que havia 246 mil hectares de coca cultivados no país, representando um terço da área dedicada ao cultivo de café, o principal produto agrícola exportado pela Colômbia. Essa mudança na estratégia do governo colombiano em relação ao combate às culturas ilícitas também contribuiu para a ampliação do cultivo.

- CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE -

A suspensão da fumigação aérea com glifosato, adotada por anos e alinhada com as recomendações dos Estados Unidos, permitiu que a planta de coca atingisse níveis máximos de produtividade, resultando em até seis colheitas por ano. Ana María Rueda, coordenadora da área de Políticas sobre Drogas da Fundação Ideias para a Paz, explica que “na ausência de pulverização aérea, o arbusto de coca atinge seus níveis máximos de produtividade”.

O aumento na produção de cocaína e o cultivo de plantas mais potentes ajudam a explicar não apenas a grande disponibilidade da droga no mercado mundial, mas também a alta na pureza das substâncias, mesmo com a estabilidade nos preços. “Há muita cocaína na Colômbia, na Bolívia e no Peru, e isso dá ao traficante a liberdade de estabelecer novas condições”, afirma Rueda.

Além disso, a ONU destaca que o aumento na oferta e demanda de cocaína coincide com um crescimento da violência em países ao longo da cadeia de suprimentos, especialmente no Equador e em nações do Caribe, além de danos à saúde nos países de destino, como na Europa Ocidental e Central.

O consumo de cocaína também tem crescido em países de trânsito, como o Brasil, que se tornou um dos principais mercados da droga. Entre 2013 e 2023, a Polícia Federal brasileira apreendeu 730 toneladas de cocaína, com um aumento de 73,7% nas apreensões, segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O Brasil, atualmente, é o segundo maior mercado de cocaína do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O número de mortes atribuídas a distúrbios causados pelo uso de cocaína no Brasil cresceu mais de 600% entre 2000 e 2022. Especialistas afirmam que a elevada oferta de cocaína nos países vizinhos, juntamente com a circulação de carregamentos pelo território brasileiro, contribui para esse cenário.

“Em muitos países de trânsito, as pessoas envolvidas no tráfico são pagas em cocaína, e a droga acaba sendo comercializada no mercado local”, diz Pietschmann. O aumento na exportação de cocaína também tem refletido um crescimento no consumo local.

Enquanto isso, a produção de opioides, como heroína e fentanil, tem enfrentado uma queda significativa, em grande parte devido a uma proibição de cultivo de ópio no Afeganistão. Essa mudança pode ter levado usuários e traficantes a buscar alternativas, como a cocaína, para manter seus mercados.

Com a diminuição da produção de opioides, a cocaína da América do Sul se apresenta como uma substituta viável. Contudo, os dados da ONU indicam que a queda na produção de opioides ainda não impactou significativamente a oferta e o consumo de heroína e outros opioides, uma vez que os traficantes se anteciparam e acumularam estoques consideráveis antes da proibição.

Veja também:

Tópicos: