Lucas Amaral, que vivia sem documentos, foi detido em blitz policial; sua família busca apoio legal.
01 de Fevereiro de 2025 às 01h39

Brasileiro preso em blitz de imigração nos EUA clama por ajuda

Lucas Amaral, que vivia sem documentos, foi detido em blitz policial; sua família busca apoio legal.

Nada na manhã fria da segunda-feira (27 de janeiro) parecia fora do lugar para Lucas Santos Amaral, um pintor brasileiro que reside nos Estados Unidos há sete anos. Naquele dia, ele se despediu cedo de sua esposa, Suyanne, e da filha de apenas três anos, seguindo para o trabalho.

“Cinco minutos depois que ele saiu, recebi a ligação. Só deu tempo de Lucas me dizer: ‘a imigração me pegou, vem buscar o carro’”, recorda Suyanne, que está grávida de três meses do segundo filho do casal.

O carro de Lucas, de 29 anos, foi parado aleatoriamente em uma blitz policial na cidade de Marlborough, Massachusetts, uma região com uma significativa concentração de brasileiros. Naquele momento, ele foi abordado por agentes do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos EUA), que intensificaram operações em busca de migrantes sem documentos após a posse de Donald Trump, em 20 de janeiro.

Trump, que se elegeu prometendo combater a imigração ilegal, afirmou que ela estava “envenenando o sangue” dos Estados Unidos, além de tomar empregos de americanos e pressionar os serviços públicos.

“O agente se aproximou perguntando se Lucas era uma terceira pessoa que eles buscavam”, disse a advogada Eloa Celedon, que representa o brasileiro. “Ele se assustou e acabou fornecendo informações sobre si mesmo, momento em que os agentes perceberam que ele estava irregular com o visto. E assim o levaram. Era a pessoa errada, no lugar errado, na hora errada.”

O caso de Lucas é classificado pelas autoridades e pela imprensa dos EUA como “dano colateral”. Nascido no Rio de Janeiro, ele entrou no país em 2017 com um visto de turismo que permitia sua permanência por até seis meses, mas nunca retornou ao Brasil, vivendo assim em situação irregular.

Para muitos apoiadores de Trump, as operações de captura estariam focadas em criminosos perigosos e pessoas com ordens de deportação final, o que colocaria a salvo milhões de imigrantes que apenas entraram ou permaneceram no país de forma não autorizada.

No entanto, o ICE tem ressaltado que, entre os detidos, “haverá dano colateral”, ou seja, pessoas sem antecedentes criminais ou ordens de deportação. “Ele não tem nenhuma ficha criminal, nenhuma condenação aqui ou no Brasil. Portanto, sua ficha é limpa. A única transgressão é estar aqui de forma irregular”, explicou a advogada Eloa Celedon.

Recentemente, a Casa Branca declarou que quem entra ilegalmente nos Estados Unidos pode ser considerado um “criminoso”. Suyanne conta que, ao receber a ligação de Lucas, conversou com um agente do ICE e pediu que eles esperassem por 20 minutos, tempo necessário para acordar a filha e chegar ao local da blitz, mas os policiais não aguardaram.

Lucas foi levado para uma penitenciária em Massachusetts, onde, além de imigrantes, há criminosos condenados por diversos delitos. A BBC News Brasil tentou contato com o ICE para obter mais informações sobre as acusações contra Lucas, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

A família Amaral vivia tranquilamente nos Estados Unidos. O casal é conhecido no meio evangélico da região de Boston, onde Suyanne canta e Lucas toca músicas gospel. “Nossa vida é casa, trabalho e igreja. Eu sou cantora, ele também canta e toca comigo. Então, vamos às igrejas ministrar. Essa é nossa vida”, diz Suyanne.

Em uma ligação, Lucas informou a Eloa que os policiais que o pararam estavam buscando outro imigrante, possivelmente com histórico criminal. “Mas os agentes estão com a agenda de prender o máximo de pessoas, independentemente de estarem com um processo pendente ou um pedido de asilo”, relatou a advogada. “Infelizmente, a agenda é deportar o máximo de pessoas.”

Nos últimos cinco anos, as operações de imigração comuns em governos anteriores praticamente deixaram de existir, especialmente em estados-santuário, que não colaboram com autoridades migratórias na busca por pessoas irregulares e garantem mais direitos aos migrantes, como Massachusetts.

É uma surpresa para muitos que esse tipo de operação, fruto da nova política migratória de Trump, esteja acontecendo, inclusive em santuários. Suyanne afirma que muitos brasileiros ainda acreditam que o governo Trump está apenas buscando imigrantes considerados “criminosos”, algo que o caso de seu marido desmente.

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“Estava todo mundo com o mesmo pensamento: pega criminosos, gente que deve à Justiça, vai para deportação e é isso. Mas não. Quem passou na peneira, está ilegal, vai embora”, afirma Suyanne. “Para quem não está acreditando, eu digo que, quando vocês ouvirem falar que estão pegando, é porque eles estão pegando, não duvide, é assustador.”

Apesar de Lucas não ser uma prioridade, ele não deixa de ser um alvo, assim como muitos outros brasileiros em situação semelhante. Segundo a advogada Eloa Celedon, ela atende atualmente ao menos mais um brasileiro na mesma situação.

A comunidade brasileira nos Estados Unidos é composta por 1,9 milhão de pessoas, segundo o Itamaraty. As estimativas mais recentes do Instituto Pew Research indicam que pelo menos 230 mil brasileiros vivem sem autorização no país, e quase 39 mil têm ordens de deportação final, segundo estimativa de 2024 do ICE.

Entre os brasileiros sem documentos, há dois grupos: aqueles que tentam não embarcar no pânico e os que vivem tensos e com medo, limitando visitas a igrejas, supermercados brasileiros e festas da comunidade. “Pode acontecer a qualquer momento. Essa agenda de prender pode ser qualquer pessoa, pode ser na padaria, na rua”, diz a advogada Eloa Celedon.

“O triste é que estão atrás de pessoas que não precisam passar por isso, que estão seguindo as regras direitinho.” Lucas estava esperando um momento mais “favorável” para tentar legalizar sua situação, temendo a separação da família caso algo saísse errado em seu processo de regularização.

A família de Lucas é um exemplo dos múltiplos problemas e políticas de imigração que os Estados Unidos enfrentaram nas últimas décadas. Suyanne chegou ao país há 20 anos, ainda criança, trazida pelos pais, também imigrantes sem documentos. Ela faz parte do que se convencionou chamar de dreamers (sonhadores, em português) e possui autorização para permanecer no país pelo DACA (Ação Diferida para Chegadas na Infância), que permite que certos imigrantes sem documentos trabalhem e permaneçam nos EUA, sem risco de deportação.

Por outro lado, Suyanne não possui os direitos de cidadania comuns aos demais americanos, como o voto ou a extensão da cidadania ao cônjuge. Ainda em seu primeiro mandato, Trump tentou acabar com o programa e reverter esse status, mas não conseguiu. No entanto, ele limitou seu alcance.

A primeira filha de Suyanne e Lucas, nascida nos Estados Unidos, tem dupla cidadania, brasileira e americana. Já o bebê que Suyanne espera pode não contar com os mesmos direitos. Uma ordem executiva assinada por Trump no dia da posse retira o direito à cidadania para bebês nascidos a partir do fim de fevereiro de pais que não sejam cidadãos ou residentes permanentes no país.

A ordem foi temporariamente suspensa, e uma batalha judicial de meses é aguardada para determinar se a interpretação constitucional de Trump será adotada ou rechaçada.

Lucas foi enviado a um centro de detenção em Plymouth, a cerca de uma hora e meia de sua casa. A advogada da família reuniu ao menos 14 cartas de recomendação da comunidade brasileira e documentos que comprovam, segundo ela, que Lucas vivia uma vida dentro da lei nos Estados Unidos. Ela pediu ao ICE a soltura mediante pagamento de fiança de US$ 1,5 mil (R$ 8,8 mil).

A expectativa é de que, em até duas semanas, a família tenha uma resposta. Caso contrário, a advogada levará o caso a uma corte judicial, onde um juiz decidirá se o brasileiro pode ser solto ou não, possivelmente com o uso de uma tornozeleira eletrônica enquanto o processo avança.

“Normalmente, são dois critérios: perigo e risco de fuga”, diz a advogada Eloa Celedon. “Lucas tem mais fatores positivos do que negativos. Ele entrou com visto, é casado com uma pessoa com DACA, paga impostos, é trabalhador. A única questão é que ele está há sete anos sem os documentos.”

Segundo ela, o pintor brasileiro não está em risco de ser colocado em um avião e retirado do país em questão de horas ou dias. Sua situação garante a ele ao menos três audiências perante um juiz, o que não é verdade para pessoas que já tenham tido decisões judiciais contrárias à sua permanência no país.

“Acontece, sim, de a pessoa ser pega e embarcada em poucas horas, quando já não há mais espaço para recursos”, diz Celedon. É nessa esperança de que seu marido não seja deportado de forma relâmpago e que o resultado seja positivo que Suyanne se apega agora. “Eu sou cristã, eu vejo que Deus está fazendo alguma coisa. Mas tenho que manter meu pé no chão mais do que nunca, tenho uma filha e estou grávida”, conclui Suyanne. “Se ele tiver que voltar ao Brasil, a gente vai atrás dele, não vamos ficar separados.”

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