Juristas alertam para a necessidade de uso proporcional dos dados para evitar violação da privacidade
18 de Dezembro de 2024 às 10h46

Cresce uso de geolocalização em processos trabalhistas, mas gera controvérsia

Juristas alertam para a necessidade de uso proporcional dos dados para evitar violação da privacidade

No início de dezembro, um trabalhador foi condenado a pagar multas por má-fé e por ato atentatório à Justiça, após o juiz concluir que ele mentiu sobre as marcações de horas extras. Para fundamentar sua decisão, o magistrado utilizou dados de geolocalização obtidos através de operadoras de celular e do Google.

Especialistas afirmam que a utilização de dados de geolocalização tem se tornado cada vez mais comum em casos de conflitos entre trabalhadores e empresas. No entanto, eles alertam que o uso dessas informações deve ser proporcional, a fim de evitar a violação da privacidade dos indivíduos.

Chiara de Teffe, professora de Direito Civil e Direito e Tecnologia no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), afirma que a geolocalização pode ser útil em casos específicos, como quando um trabalhador solicita na Justiça o pagamento de horas extras. “É uma forma de chegar a um dado mais objetivo”, explica.

De acordo com o artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), empresas com mais de 20 funcionários são obrigadas a registrar a hora de entrada e saída de seus empregados, seja de forma manual, mecânica ou eletrônica. Contudo, essa regra não se aplica a todas as profissões. O artigo 62 da mesma lei isenta funcionários que exercem atividades externas, gerentes, diretores e chefes, além de trabalhadores em regime de trabalho remoto, da necessidade de acompanhamento de jornada.

Fabio Chong de Lima, sócio da L.O.Baptista Advogados e especialista em direito e relações de trabalho, destaca que o uso de dados de geolocalização é mais frequente em processos que envolvem profissionais que atuam fora de escritórios. “É o caso do vendedor que passa o dia fora do ambiente de trabalho, não tem controle de horário e afirma que trabalhou até as 22h. A empresa pode solicitar que esses dados sejam levantados”, diz.

Fora as exceções definidas pela CLT, a empresa deve, em regra, acompanhar a carga horária de seus funcionários. “Se a empresa solicitar dados de geolocalização de outros profissionais, o juiz pode entender que isso não é pertinente, pois ela deveria ter controle e não tem”, afirma Fabio.

Pedro Saliba, advogado e pesquisador na Associação Data Privacy Brasil, argumenta que informações de operadoras de celular ou do Google não deveriam ser utilizadas. “Os dados coletados através de aplicativos ou redes sociais são de uso privado. Um aparelho corporativo é diferente, pois pertence à empresa e pode ter registro de ponto digital”, explica.

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Ele também ressalta que as empresas têm acesso a diversas formas de controle e que optar por dados de geolocalização é um equívoco. “As empresas podem utilizar aplicativos de registro de ponto, inclusive para funcionários que trabalham viajando. O uso de dados de geolocalização é desproporcional, pois não foi coletado com essa finalidade”, afirma.

Saliba ainda defende que, se os métodos adotados pelas empresas não são suficientes para determinar a carga horária dos empregados, é necessário aprimorar essas tecnologias. “O caminho não é coletar mais dados de funcionários. O ônus da coleta e do tratamento sai das empresas e passa para as operadoras. Nesse caso, a empresa não assume a responsabilidade que é dela”, conclui.

Em maio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou a geolocalização como prova da jornada de um bancário. A decisão cassou uma liminar que impedia que o Santander utilizasse esse recurso para comprovar a jornada de um profissional que pedia o pagamento de horas extras.

Segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional, não violando o sigilo de comunicação garantido pela Constituição Federal de 1988. A produção de prova digital é respaldada por diversos ordenamentos jurídicos, tanto de tribunais internacionais quanto por leis brasileiras, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet, que possibilitam o acesso a dados pessoais.

Na LGPD, o artigo 7 prevê que dados pessoais podem ser utilizados “para o exercício regular de direitos em processos judiciais”. O Marco Civil, por sua vez, define que é possível que o juiz ordene ao responsável o fornecimento de “registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet”. Nenhum dos artigos especifica que dados de geolocalização possam ser compartilhados.

Para Chiara de Teffe, a ideia é que a geolocalização traga mais justiça ao caso. “Não é o acolhimento de uma tese da empresa. Se o empregado estava onde disse que estava, ele será indenizado”, afirma. Ela ressalta que solicitar dados relacionados à localização do profissional é algo excepcional, feito em um processo judicial com todas as garantias de defesa ao empregado.

Questionada sobre o tema, a Conexis Brasil Digital, associação que representa operadoras como Claro, Oi, Tim e Vivo, afirmou que “as empresas associadas cumprem as determinações judiciais”. O Google também foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.

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