Iniciativa visa ampliar o acesso ao cinema nacional e fortalecer a produção local
29 de Janeiro de 2025 às 11h02

Ministério da Cultura planeja streaming público e regulamentação de VOD para 2025

Iniciativa visa ampliar o acesso ao cinema nacional e fortalecer a produção local

O Ministério da Cultura (MinC) está empenhado em lançar um serviço de streaming público até 2025. Simultaneamente, o ministério busca avançar na regulamentação das plataformas digitais que oferecem vídeo sob demanda (VOD, na sigla em inglês). Essas iniciativas foram amplamente discutidas durante a Mostra de Cinema de Tiradentes, um dos principais festivais de cinema do Brasil, que está em sua 28ª edição.

A mostra, que teve início em 24 de janeiro e se estende até o próximo sábado (1º de fevereiro), apresenta uma programação rica com 140 filmes, além de debates, shows, oficinas e lançamentos de livros. O evento é promovido pela Universo Produção e reúne profissionais do setor audiovisual.

Durante a Mostra, ocorre também o Fórum de Tiradentes, onde especialistas se reúnem para diagnosticar o cenário do audiovisual brasileiro e propor soluções ao MinC. As discussões incluem a elaboração de uma carta com as principais demandas do setor, que será apresentada ao governo.

“É urgente que a gente resolva neste ano a regulamentação do VOD”, afirmou Joelma Gonzaga, secretária nacional do audiovisual, na mesa de abertura do evento. Ela destacou a importância de garantir a proteção do conteúdo nacional, o que implica que plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, Disney+ e HBO Max precisariam incluir uma porcentagem mínima de produções brasileiras em seus catálogos.

Outro ponto crucial nas discussões é a proteção dos direitos patrimoniais, que busca estabelecer diretrizes sobre como os lucros gerados pela exploração comercial de produtos audiovisuais devem ser divididos entre as produtoras e as plataformas.

“São direitos que já vêm sendo assegurados ao longo do histórico das nossas políticas públicas. Se estendemos isso para as plataformas, estaremos defendendo a nossa produção independente e a soberania cultural”, avaliou Joelma.

Além disso, a regulamentação também abordará questões tributárias e a necessidade de garantir que a produção local tenha destaque nas plataformas digitais. Todas essas propostas precisam passar pelo Congresso Nacional, que é responsável por aprovar um marco regulatório para as plataformas digitais. Atualmente, existem dois projetos de lei em tramitação sobre o tema, e o MinC pretende consolidar as articulações para que um único texto seja votado.

Joelma acredita que o momento é propício para o debate sobre cinema brasileiro. “Tenho falado da importância das três indicações ao Oscar conquistadas por *Ainda Estou Aqui*. Além disso, temos 13 filmes brasileiros selecionados para o Festival de Berlim, um dos mais prestigiados do mundo. E ao todo, 141 filmes serão exibidos na Mostra de Tiradentes. É muito para celebrar”, disse.

Ela também ressaltou que as medidas propostas não são inéditas. “Nenhum dos países considerados grandes potências da indústria do audiovisual chegou a esse lugar sem defender a sua produção nacional. França, Coreia do Sul e os Estados Unidos, por exemplo, possuem mecanismos de proteção da sua propriedade intelectual. Proteger isso impulsiona a economia e as nossas produtoras”, afirmou.

Streaming Público

O MinC também planeja lançar uma plataforma de streaming público, que oferecerá gratuitamente um conjunto de produções audiovisuais. O objetivo é ampliar o acesso ao cinema nacional e contribuir para a formação de público. Daniela Santana Fernandes, diretora de preservação e difusão audiovisual da Secretaria do Audiovisual (SAV), apresentou alguns detalhes do projeto, que está sendo desenvolvido em parceria com o Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). “Já fizemos grupos focais e alguns testes. É uma realidade”, disse Daniela.

No segundo semestre do ano passado, foi lançado um edital para o licenciamento de curtas e longas-metragens, que recebeu cerca de 1,6 mil inscrições, com resultados a serem divulgados em breve. “Precisamos de obras além daquelas que o governo federal já possui. O acervo da Cinemateca Brasileira, por exemplo, inclui produções do Iphan e da Funarte, e queremos que a produção contemporânea também esteja representada”, explicou.

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Embora o nome da plataforma ainda não possa ser revelado, Daniela afirmou que a regulamentação da Lei Federal 13.006/2024, que estabelece a exibição de filmes de produção nacional como componente curricular nas escolas, está sendo discutida. “O streaming público também se voltará para esse fim. É nosso compromisso regulamentar essa legislação de forma que as escolas tenham condições de realizar essas exibições”, completou.

Debate Internacional

O Brasil também tem promovido debates sobre regulamentação em fóruns internacionais. No ano passado, o país sediou os encontros do G20, que reúne as 19 maiores economias do mundo e a União Europeia. Uma declaração específica sobre políticas culturais foi aprovada, reconhecendo que as regulamentações nos serviços de licenciamento de conteúdo cultural e plataformas de streaming “podem ser adaptadas para as condições específicas do mercado e dos contextos socioculturais e econômicos dos países”.

Joelma recorda que a discussão não foi simples, devido à oposição dos Estados Unidos, que abriga a sede da maioria das plataformas. “Ficamos até três horas da manhã. Os Estados Unidos tentaram de tudo para retirar a pauta da declaração, mas vencemos. Não abrimos mão”, relembra.

Além disso, a urgência da regulamentação das plataformas digitais foi destacada por Raquel Hallak, coordenadora-geral da Mostra de Tiradentes, durante a cerimônia de abertura do evento. Joelma também mencionou a participação da deputada federal indígena Célia Xacriabá (PSOL), que, durante uma performance artística, abordou a temática da sustentabilidade. “Ela disse algo muito interessante: o audiovisual é a grande arma do século 21. Fiquei emocionada quando ela falou em reflorestar o cinema e transformar o cinema em uma floresta”, destacou Joelma.

Gigantes de Tecnologia

Nesta terça-feira (28), em uma nova mesa de debate, Paulo Alcoforado, diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine), enfatizou que a regulamentação do VOD é uma face da regulamentação da internet. Ele também mencionou a necessidade de avançar em outras frentes, como a regulamentação da inteligência artificial, a remuneração de conteúdo jornalístico nas redes sociais e o combate à desinformação.

“Estamos lidando com gigantes de tecnologia que possuem ativos mais valorizados do que qualquer outra empresa do mundo e atuam em escala global. Isso torna impossível para as empresas nacionais competirem com esses serviços, cujo negócio central é o acesso indiscriminado a dados dos usuários”, afirmou.

Alcoforado argumenta que cabe ao Estado equilibrar o jogo, enfrentando a concentração econômica. O pesquisador Pedro Butcher compartilha dessa preocupação, observando que vivemos em um novo regime de circulação da informação, organizado em torno da monetização de dados. “As grandes empresas de tecnologia reúnem mais dados pessoais do que as empresas nacionais e o próprio Estado”, alertou.

“Há uma assimetria gigante, e é nesse ponto que a regulamentação precisa agir. Ela deve tentar diminuir essa assimetria”, completou Butcher, que criticou a defesa da liberdade de expressão feita pelos donos das plataformas. “Na verdade, é uma defesa de uma canalização muito específica da informação. A diferença na viralização entre postagens verdadeiras e falsas é enorme. O que vemos é um complexo técnico-industrial que favorece a manipulação e o controle da verdade”, concluiu.

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