
Setor articula agência reguladora para planos de saúde para pets
Proposta de "ANS da Veterinária" avança em meio ao boom do mercado pet, mas enfrenta entraves legislativos e regulatórios
Em um mercado que movimenta bilhões de reais ao ano no Brasil, impulsionado pelo crescente número de animais de estimação como membros das famílias brasileiras, entidades do setor veterinário intensificam a articulação para criar uma agência reguladora específica para planos de saúde animal. A proposta, debatida na PetVet Expo 2025 (13 a 15 de agosto, no Distrito Anhembi, em São Paulo), busca preencher lacunas normativas que hoje expõem tutores, profissionais e empresas a riscos crescentes.
Liderada pela Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários (ABHV) e pela Associação Nacional dos Médicos Veterinários (ANMV), com apoio do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), a ideia é criar a Agência Nacional de Saúde da Veterinária – apelidada de “ANS da Veterinária”. O modelo se inspira na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde humanos, e teria como funções estabelecer padrões sanitários, fiscalizar produtos e regular contratos.
“O problema nasce da combinação de lacunas regulatórias, riscos à saúde única (One Health), demora na liberação de inovações e fiscalização insuficiente diante da complexidade do setor veterinário”, explica Marcio Mota, presidente da ANMV.
Mercado em Expansão e Sem Regras Claras
O setor pet brasileiro faturou cerca de R$ 60 bilhões em 2024, segundo o Instituto Pet Brasil. Os planos de saúde animal representam uma fatia crescente desse bolo, mas ainda operam sem supervisão dedicada. Isso gera reclamações frequentes de consumidores sobre exclusões contratuais e reajustes arbitrários, além de insegurança jurídica para clínicas e profissionais.
Bruno Divino, presidente da Conevet/CFMV, resume a situação como um “limbo regulatório”. “A ausência de regras compromete a qualidade dos serviços e a segurança dos pacientes. A agência precisa ter papel técnico e punitivo para organizar esse mercado”, defende.
O projeto já foi apresentado a parlamentares e deve ser encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente, visto como pasta mais adequada por sua interface com o bem-estar animal e a sustentabilidade.
Consequências da Desregulamentação
A falta de normas específicas gera uma cadeia de problemas. Tutores lidam com contratos pouco transparentes; veterinários enfrentam redes credenciadas instáveis e remuneração baixa, o que impacta a qualidade do atendimento. Casos de glosas e interferências na autonomia médica são recorrentes, aumentando o número de processos éticos nos conselhos regionais – que triplicaram nos últimos anos, segundo levantamento da Fundação Dom Cabral (2022).
O crescimento acelerado do segmento – estimado em 30% ao ano até 2025 – também expõe desigualdades regionais. Enquanto São Paulo e Rio de Janeiro concentram adesão, clínicas do Norte e Nordeste sofrem com baixo faturamento (58% delas não ultrapassam R$ 32 mil anuais), o que limita investimentos em estrutura e treinamento.
Para Fernando Zacchi, gerente técnico do CFMV, o principal entrave é institucional. “A criação da agência depende de projetos de lei. Hoje monitoramos cerca de 900 no Congresso, alguns já relacionados ao tema. Estamos articulando com entidades para convencer políticos e ministérios”, afirma.
Caminhos Políticos e Articulações
A presidente do CFMV, Ana Elisa Almeida, classifica a desregulamentação como risco sistêmico. “Precisamos dar mais segurança jurídica aos profissionais e proteger o bem-estar animal”, diz.
Um dos projetos em monitoramento é o PL 3.665/2024, de autoria do senador Hamilton Mourão, que trata de laboratórios veterinários, mas pode servir de ponto de partida para ampliar o debate sobre saúde suplementar pet.
A deputada estadual Joana Darc (União-AM), presente no debate da PetVet, reforça a necessidade de mobilização política da classe veterinária: “Se não ocuparem espaço no Congresso e nas assembleias, os profissionais continuarão falando apenas entre si”.
Em junho de 2025, o setor ganhou um reforço político com a criação da Frente Parlamentar da Medicina Veterinária, que sinaliza apoio histórico ao tema.
Perspectivas
O texto da proposta segue em refinamento, incluindo pilares como defesa do consumidor, padronização de estabelecimentos e independência técnica. O projeto conta com apoio de entidades como a Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor) e o Sindan (Sindicato da Indústria de Produtos para Saúde Animal). Ambas veem na agência uma oportunidade de alinhar o setor ao conceito de One Health, que integra saúde animal, humana e ambiental.
Especialistas apontam que, se aprovada, a nova agência poderá reduzir riscos éticos e econômicos, além de fomentar inovações como telemedicina veterinária e nutrição personalizada. Os principais desafios, porém, continuam sendo a tramitação no Congresso e a resistência de operadoras, que temem maior escrutínio.
“O momento é de alinhar forças técnicas e políticas para que a ANS da Veterinária saia do papel, equilibrando as demandas de mercado com a valorização do trabalho médico-veterinário e o bem-estar animal”, reforça Almeida.
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