Inteligência artificial detecta sinais de violência contra mulher antes de agravamento
Ferramenta inovadora analisa prontuários médicos e identifica riscos de agressões até 92 dias antes
Uma nova tecnologia desenvolvida em Recife (PE) promete revolucionar a forma como a saúde pública lida com casos de violência contra a mulher. Trata-se de um sistema de inteligência artificial que analisa prontuários médicos e cruza dados para identificar sinais de possíveis agressões até 92 dias antes que elas se agravem, podendo levar a situações extremas como o feminicídio.
O projeto é fruto de uma parceria entre a Vital Strategies, uma organização internacional de saúde pública, e a FrameNet Brasil, laboratório de linguística computacional da Universidade Federal de Juiz de Fora. A pesquisa analisou mais de 13 mil registros médicos de mulheres vítimas de violência ao longo de uma década, revelando padrões preocupantes no comportamento das vítimas.
Os dados indicam que mulheres que sofrem violência tendem a mudar de Unidade Básica de Saúde (UBS) quando as agressões se tornam mais frequentes. Essa mudança ocorre cerca de 92 dias antes de um agravamento significativo da situação, o que dificulta a identificação precoce dos casos. A tecnologia, portanto, se apresenta como uma ferramenta crucial para a prevenção e intervenção em situações de risco.
O sistema utiliza uma análise semântica para cruzar informações do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) com dados dos prontuários eletrônicos. Essa combinação permite identificar, de forma precoce, pacientes que apresentam sinais de violência, facilitando a atuação dos profissionais de saúde.
A pesquisadora Sofia Reinach, diretora adjunta do Programa de Prevenção de Violências da Vital Strategies, destaca a importância da atenção básica nesse contexto: “A gente sabe que a violência contra a mulher acontece em um ciclo que vai se agravando e que é a atenção básica que atende essas mulheres de forma rotineira. Então, precisamos entender o que acontece na atenção básica em relação à violência”.
Além disso, o estudo comparou os prontuários de mulheres vítimas de violência com aqueles de mulheres que não sofrem agressões. Os resultados mostraram que, enquanto as vítimas apresentam uma frequência significativamente menor de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, as que não são agredidas buscam atendimento médico por essas condições de saúde.
“Não há razão para supor que essas mulheres tenham menos doenças crônicas. Ocorre que elas estão buscando ajuda por outro motivo, que é a violência, e as outras doenças estão sumindo dos prontuários. Isso também é grave”, explica Tiago Torrent, coordenador do FrameNet Brasil.
O próximo passo do estudo é a criação de um painel que permitirá identificar informações sobre as mulheres que não estão sendo detectadas como vítimas de violência em determinados bairros de Recife. Até o momento, cerca de 460 dos 3 mil profissionais da atenção básica já foram treinados para utilizar essa nova abordagem.
Com essa inovação, espera-se que a inteligência artificial continue a desempenhar um papel fundamental na identificação e prevenção de casos de violência contra a mulher, contribuindo para salvar vidas e reduzir a incidência de agressões. A tecnologia não apenas melhora a precisão dos dados, mas também ajuda a corrigir erros, como o caso de uma mulher que foi erroneamente registrada como morta em um acidente de carro, quando na verdade foi vítima de um homicídio.
Veja também: