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Apoio a Milei na economia é forte, mas suas opiniões sociais geram divisões na Argentina
Carlos Kambourian, pediatra gay, critica presidente por associar homossexualidade a abuso sexual em discurso polêmico.
BUENOS AIRES - Carlos Kambourian, pediatra argentino e defensor dos direitos LGBTQ, era um apoiador das reformas econômicas do presidente Javier Milei. No entanto, sua percepção mudou drasticamente após o chefe do Executivo associar a homossexualidade ao abuso sexual em um discurso no mês passado.
Milei, economista e ex-comentarista de televisão, conquistou a presidência da Argentina em 2023 e tem sido elogiado por suas medidas econômicas rigorosas, que contribuíram para a reversão de um profundo déficit fiscal, estimularam os mercados e ajudaram a controlar a inflação que superava três dígitos.
Entretanto, suas opiniões sociais conservadoras têm gerado divisões significativas em um país que já avançou em direção a reformas liberais. O presidente é conhecido por sua postura antifeminista, oposição ao aborto e críticas à chamada “agenda woke”, um termo frequentemente utilizado por conservadores para deslegitimar políticas progressistas.
Durante sua participação no Fórum Econômico Mundial em Davos, Milei fez comentários controversos ao citar um caso de um casal gay nos Estados Unidos que foi preso por abusar de seus filhos adotivos. Ele declarou que “em suas versões mais extremas, a ideologia de gênero constitui abuso infantil, pura e simplesmente. Eles são pedófilos”.
A expressão “ideologia de gênero” é frequentemente utilizada por grupos conservadores para descrever ideias que promovem visões não tradicionais sobre sexo e gênero, sendo considerada por ativistas dos direitos humanos como desumanizadora e uma ofensa à comunidade LGBTQ e ao feminismo.
Os comentários provocaram uma forte reação na Argentina, resultando em protestos massivos contra Milei. Pesquisas indicam que muitos argentinos desaprovam suas opiniões sociais, embora reconheçam seus esforços para estabilizar a economia.
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“Não posso apoiar uma pessoa que me diz que sou pedófilo porque me apaixonei por um homem. Não posso tolerar isso”, afirmou Kambourian, que participou de uma grande manifestação contra os comentários do presidente no dia 1º de fevereiro.
Enquanto Milei enfrenta intensos protestos contra suas políticas de austeridade, dados de uma pesquisa realizada pelo instituto Opina Argentina e pela consultoria Analogias revelam que pouco mais da metade dos argentinos apoia sua gestão econômica. Contudo, apenas 40% apoiam suas opiniões sobre a homossexualidade, enquanto 50% se opõem a elas.
Além disso, a proposta do governo de remover o “feminicídio” do código penal e a identidade não binária dos documentos tem gerado descontentamento, com 51% dos entrevistados se posicionando contra a mudança.
Milei, que é visto como um aliado ideológico do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, defende que é a favor da liberdade e da igualdade, alegando que cotas ou leis específicas de gênero distorcem esses princípios. O gabinete da Presidência não se manifestou sobre o assunto.
Em uma entrevista recente, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, afirmou que os comentários do presidente foram mal interpretados. “Para nosso governo e para o presidente, a vida privada das pessoas é uma decisão individual; todos podem ter a opção sexual que quiserem”, disse ela. “O presidente não disse que é contra os homossexuais; isso foi distorcido”.
As manifestações contra Milei atraíram milhares de pessoas, incluindo estudantes, sindicatos e políticos da oposição, além de defensores dos direitos LGBTQ. Durante uma dessas marchas, Cintia Vignot, professora de 42 anos, expressou sua indignação: “Não podemos permitir que a diversidade seja apagada. É muito sério que o presidente esteja falando nesses termos”.
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