
Brasil completa 10 anos sem casos de raiva humana transmitida por cães
País se aproxima da meta da OMS de eliminar a transmissão canina até 2030, mas cresce preocupação com casos ligados à fauna silvestre
No Dia Mundial da Raiva, celebrado em 28 de setembro, o Brasil comemora uma marca histórica: há dez anos não são registrados casos de raiva humana transmitida por cães. O último ocorreu em 2015, em Mato Grosso do Sul, superando o prazo de cinco anos estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para considerar uma área livre da doença.
A data remete à morte do cientista francês Louis Pasteur, em 1895, responsável pela criação da primeira vacina antirrábica. O imunizante, desenvolvido em 1885, salvou a vida do garoto Joseph Meister, de 9 anos, atacado por um cão raivoso na Alsácia.
Mudança no perfil da doença
Entre 2010 e 2025, foram confirmados 50 casos de raiva humana no país. Apenas nove tiveram origem em mordidas de cães. A maioria foi provocada por animais silvestres: 22 por morcegos, sete por primatas não humanos, cinco por felinos, dois por raposas e um por bovino.
Na década de 1990, eram quase 300 registros anuais de casos ligados a cães. A queda mostra o sucesso das campanhas de vacinação animal.
Em 2025, dois casos foram confirmados, ambos envolvendo saguis — uma mulher de 56 anos em Pernambuco e outra de 58 no Ceará. Os episódios reforçam a expansão da transmissão silvestre, sobretudo no Nordeste.
Reservatórios silvestres em foco
Um levantamento publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical aponta que, entre 2001 e 2025, houve 188 casos de raiva humana. Mais da metade (53,19%) foi atribuída a morcegos. As regiões Norte e Nordeste concentram a maior parte dos registros.
O morcego hematófago Desmodus rotundus segue como principal vetor silvestre. Mas especialistas chamam atenção para o aumento dos casos ligados a saguis, animais frequentemente mantidos ilegalmente como pets em áreas urbanas.
Queda na cobertura vacinal
As campanhas nacionais de vacinação em cães e gatos, iniciadas em 2003, foram determinantes para o controle da raiva urbana. Entre 2000 e 2009, a cobertura média foi de 86%, com 21,4 milhões de animais imunizados por ano.
Hoje, esse índice caiu para 60,4%, abaixo dos 80% recomendados pela OMS. Ao todo, 23 unidades federativas realizam campanhas. Estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul não vacinam em massa desde 1995. São Paulo suspendeu as campanhas em 2021.
Meta global até 2030
A OMS, em parceria com a FAO, a OIE e a Aliança Global para o Controle da Raiva, lançou em 2017 a iniciativa “Unidos Contra a Raiva”, que busca eliminar as mortes humanas por transmissão canina até 2030.
Apesar dos avanços, a doença ainda mata 59 mil pessoas por ano no mundo. Cerca de 99% dos casos estão ligados a cães, sobretudo em países da África e Ásia, onde a vacinação não é sistemática.
Doença quase sempre fatal
Causada por vírus da família Rhabdoviridae, a raiva ataca o sistema nervoso central e tem letalidade próxima de 100% após o início dos sintomas. O período de incubação varia de dias a mais de um ano, com média de 45 dias em humanos.
Os sintomas iniciais são inespecíficos, como febre e mal-estar. Na evolução, surgem sinais neurológicos graves, como alucinações, paralisia e dificuldade para engolir. Apenas dois pacientes sobreviveram à raiva humana no Brasil.
Prevenção continua decisiva
A vacinação anual de cães e gatos segue como principal medida de prevenção, junto com a orientação de evitar contato com animais silvestres. Após agressão, o tratamento pós-exposição — com vacina e soro — deve ser iniciado o quanto antes.
Em 2025, cidades como Natal e Rio de Janeiro intensificaram suas campanhas. A capital potiguar já vacinou 77 mil animais, atingindo 86% da meta local.
O Brasil vive hoje um cenário singular: está à frente na eliminação da raiva urbana, mas permanece vulnerável à forma silvestre. Para especialistas, vigilância, vacinação responsável e educação da população são pilares para manter o controle da doença.
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