Jovem detido após eleição presidencial narra experiências de tortura e violação de direitos humanos em prisões venezuelanas
10 de Dezembro de 2024 às 07h43

Relatos de tortura e repressão de opositores marcam crise na Venezuela

Jovem detido após eleição presidencial narra experiências de tortura e violação de direitos humanos em prisões venezuelanas

“Já me torturaram e me reprimiram, mas não vão me calar. Minha voz é tudo o que me resta.” Assim começa o relato de Juan, um jovem de aproximadamente 20 anos, que afirma ter sido submetido a torturas físicas e psicológicas pelas forças de segurança da Venezuela após sua prisão, ocorrida logo após as eleições presidenciais de 28 de julho.

Juan é um dos 1,8 mil detidos, segundo a ONG Foro Penal, durante os protestos que eclodiram após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciar, sem a publicação das atas de apuração, que o atual presidente, Nicolás Maduro, havia sido reeleito. A oposição e diversos países consideram esse resultado uma fraude eleitoral.

Em uma conversa por videochamada, a BBC News Mundo ouviu o jovem, que teve seu nome alterado por questões de segurança. Ele relatou que muitos dos detidos enfrentam maus-tratos, recebem “comida apodrecida” e os mais rebeldes são trancados em salas de tortura. Juan apresentou documentos e provas que corroboram seu relato, que se alinha com outros testemunhos e denúncias de organizações não governamentais.

Ativista político e opositor ao governo, Juan descreve a campanha eleitoral e os dias que a antecederam como “marcados pela esperança, com muitas pessoas animadas” para votar pela mudança. Contudo, o anúncio do CNE, pouco após a meia-noite daquele domingo, transformou o clima de celebração em um momento de raiva e confusão.

Milhares de venezuelanos foram às ruas protestar contra o que consideravam um resultado fraudulento. A repressão policial foi denunciada pela oposição e por organizações internacionais, resultando em pelo menos 24 mortes, segundo a ONG Provea. Maduro e alguns membros do governo atribuíram a culpa pelas mortes à oposição, à “extrema direita” e a grupos “terroristas”.

A ONG Foro Penal também registrou 23 desaparecidos entre os detidos. “Ninguém sabe onde eles estão neste momento e temos certeza absoluta de que foram detidos”, afirmou Gonzalo Himiob, advogado e vice-presidente da organização.

O governo venezuelano não respondeu às denúncias sobre as pessoas desaparecidas após os protestos. Himiob acrescentou que houve “detenções arbitrárias”, com registros de pessoas que foram presas por comemorar o resultado da oposição ou por postagens nas redes sociais. Juan se inclui nesse último grupo.

O jovem, conhecido por seu ativismo político, relata que, após a eleição, o país amanheceu sob vigilância policial e militar. Ele estava na rua quando um grupo de homens encapuzados o interceptou, cobrindo seu rosto e agredindo-o, chamando-o de “terrorista”. “Eles jogaram gasolina em mim”, conta. Em 2017, Juan já havia sido sequestrado durante protestos contra o governo de Maduro, e desde então, as autoridades o ameaçam ou perseguem constantemente. Desta vez, ele foi acusado de terrorismo, incitação ao ódio e outros crimes.

Detido em uma prisão no interior do país por várias semanas, Juan foi transferido para Tocorón, uma penitenciária de segurança máxima, localizada a cerca de 140 km de Caracas. O local é conhecido por ser uma base de operações do Trem de Aragua, um dos grupos criminosos mais temidos da América Latina. Ali, Juan viveria o que considera a pior experiência de sua vida.

“Quando chegamos a Tocorón, eles tiraram nossas roupas, nos agrediram e nos insultaram, gritando ‘terroristas’. Éramos proibidos de levantar o rosto e olhar para os carcereiros; tínhamos que baixar a cabeça em direção ao chão”, relata. Ele ficou em uma cela de três por três metros, dividida com outras cinco pessoas, e descreve as camas como “túmulos de cimento”, com um colchonete muito fino.

“Mais do que em uma prisão, em Tocorón eu me senti em um campo de concentração”, declara. “Aquilo me fez pensar no que havia visto em filmes e ouvido falar sobre os campos de concentração e tortura da ditadura de Augusto Pinochet no Chile.” O governo venezuelano acusa a maioria dos detidos nos protestos de terrorismo, incitação ao ódio, associação criminosa, danos ao patrimônio público e obstrução das vias públicas. Maduro se orgulha de ter enviado os detidos para prisões de segurança máxima.

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O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, declarou que “não foram manifestações pacíficas, mas sim focos de delinquentes armados, que atuavam para criar o caos e buscar uma intervenção estrangeira”. No dia 11 de novembro, Maduro convocou os juízes do país a revisar os casos e “retificar” eventuais erros nas detenções. Cinco dias depois, a Procuradoria-Geral anunciou a libertação de 225 pessoas detidas durante os protestos.

Juan faz parte do grupo que foi libertado e acredita que muitas pessoas foram soltas devido a condições médicas. Ele descreve o dia a dia na prisão como “monótono e desumano”, com torturas físicas e psicológicas. “Nunca sabíamos que horas eram porque não havia relógios. Começamos a perguntar a hora aos visitantes e, depois, com os raios de sol, começamos a calcular a hora, à medida que a luz do sol subia pela parede”, relata.

Os carcereiros acordavam os detentos perto das cinco da manhã para formarem fila. Às seis horas, ligavam a água por seis minutos para que os presos tomassem banho. “Seis minutos para seis pessoas e um único chuveiro, com água muito fria”, relembra. Após o banho, os presos esperavam pelo café da manhã, que às vezes chegava às seis horas, outras vezes ao meio-dia.

“Além de esperar pelas refeições, não havia mais nada para fazer. Só podíamos caminhar dentro da pequena cela e contar histórias, mas em voz baixa para não sermos castigados”, conta. O horário do jantar era igualmente incerto, podendo chegar às nove da noite ou às duas da manhã.

Juan relata que muitos dos colegas estavam deprimidos, alguns perderam a vontade de viver. “Muitos agiam como zumbis, só esperavam a comida, que era de péssima qualidade.” Ele descreve a alimentação como “comida apodrecida”, com pele de animais e sardinhas vencidas. No dia em que foi libertado, todos os presos que seriam soltos tiraram fotos em frente a um prato com alimentos balanceados, mas Juan afirma que passou muita fome e ainda sente fome até hoje.

Alguns detidos recebiam surras rotineiras ou eram obrigados a “caminhar como sapos”, com as mãos nos tornozelos. Juan também menciona “celas de castigo” para os detentos mais rebeldes, que se atreviam a falar de política ou pedir ligações para seus familiares. “Eles as chamam de ‘tigrinhos’ e as condições são realmente desumanas”, diz Himiob, que também denuncia a falta de direitos humanos na prisão.

Juan esteve em um “tigrinho” e recebia uma refeição a cada dois dias. “É uma cela muito escura, que mede um metro por um metro. Passei muitíssima fome. Só de me lembrar, me dá fome.” Ele também menciona uma cela de tortura conhecida como “cama do Adolfo”, onde os presos são colocados até perderem a consciência.

“Eu sinto pela minha mãe, minha família e pelas pessoas que me amam, que sempre me pedem para ficar tranquilo, mas nunca deixarei de lutar pelo futuro da Venezuela”, conclui Juan, que perdeu o pouco medo que ainda tinha na prisão de Tocorón.

As denúncias de crimes contra a humanidade na Venezuela estão sendo investigadas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). O governo venezuelano, por sua vez, afirma que a investigação é uma tentativa de instrumentalizar a justiça penal internacional com fins políticos.

Juan e outros detentos libertados enfrentam agora o desafio de reconstruir suas vidas após a experiência traumática. Ele sonha com uma Venezuela próspera e afirma que, no dia 10 de janeiro de 2025, pretende estar novamente nas ruas, acompanhado de Edmundo González, líder da oposição exilado na Espanha.

“Não tenho mais medo do governo da Venezuela”, afirma. “Eles me culpam dos piores delitos, como terrorismo, mas sou um jovem que não fez mais do que amar nosso país e ajudar as pessoas à minha volta.”

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