TJSP determina que Nunes renomeie Marginal Tietê e outras vias ligadas à ditadura
Justiça de São Paulo deu 60 dias para o prefeito apresentar plano de renomeação de 11 vias que homenageiam agentes da ditadura militar.
São Paulo – O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu, nesta quinta-feira (12/12), que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) deve apresentar, em um prazo de 60 dias, um projeto para renomear 11 vias públicas, incluindo a Marginal Tietê. A determinação se baseia no fato de que esses nomes homenageiam agentes da ditadura militar ou estão associados a graves violações dos direitos humanos.
A decisão atende a um pedido da Defensoria Pública de São Paulo e do Instituto Vladimir Herzog, que argumentam que, em 2013, uma lei foi alterada para permitir a mudança de nomes de vias e equipamentos públicos que fazem referência a autoridades responsáveis por crimes de lesa-humanidade. Além disso, em 2016, foi criado o programa “Ruas de Memória” para promover essas mudanças de forma gradual.
“Contudo, passados mais de dez anos da alteração da lei e mais de cinco anos da edição do Decreto, o Município permanece repleto de vias, logradouros e equipamentos cujos nomes guardam estrita conexão com a ditadura empresarial-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985”, afirma a decisão, assinada pelo juiz Luis Manuel Fonseca Pires.
O magistrado destacou que “o direito à memória política assegura a conscientização da sociedade sobre os momentos em que o poder lhe foi subtraído, assim como os meios pelos quais a opressão ascendeu”. Ele enfatizou que a compreensão da violência do Estado e dos abusos cometidos por agentes públicos é essencial para a construção da democracia e para a valorização da dignidade humana.
Na ação, a Defensoria e o Instituto apresentaram uma lista com 38 vias e 17 equipamentos públicos – incluindo 12 escolas e 5 ginásios – que deveriam ser renomeados. A decisão judicial estipulou um prazo de 60 dias para que a Prefeitura de São Paulo apresente um cronograma para mudar os nomes de 11 dessas vias.
Entre os locais que devem ter seus nomes alterados estão:
- Crematório Municipal Dr. Jayme Augusto Lopes (Vila Alpina): “Diretor do Serviço Funerário do Município de São Paulo que dá nome ao crematório, pessoa controversa por ter viajado à Europa para estudar sistemas de cremação durante o auge das práticas de desaparecimento forçado, e que, segundo depoimentos colhidos pela CPI de Perus, corpos exumados foram clandestinamente enterrados na vala de Perus no mesmo período de atuação do diretor no Departamento de Cemitérios da cidade.”;
- Centro Desportivo na Rua Servidão de São Marcos: “Atribuído a um general que foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) e liderou a Operação Marajoara, resultando no extermínio da Guerrilha do Araguaia.”;
- Av. Presidente Castello Branco (Marginal Tietê): “O marechal do Exército e ex-presidente do Brasil (1964-1967), que foi uma das lideranças do golpe de Estado de 1964, responsável por criar o Serviço Nacional de Informações (SNI) e por fundamentar perseguições políticas, torturas e execuções durante a ditadura.”;
- Ponte das Bandeiras (Senador Romeu Tuma): “Homenagem ao ex-senador e ex-diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão de repressão política durante a ditadura militar.”;
- Rua Alberi Vieira dos Santos: “Ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, colaborador do CIE, envolvido em massacres e execuções de resistentes.”;
- Rua Dr. Mario Santalucia: “Médico-legista do Instituto Médico Legal (IML), envolvido em emissão de laudos necroscópicos fraudulentos.”;
- Praça Augusto Rademaker Grunewald: “Vice-presidente durante a ditadura (1969-1974), período marcado por intensa repressão e censura.”;
- Rua Délio Jardim de Matos: “Integrante do gabinete militar da Presidência da República durante o governo Castelo Branco e um dos principais articuladores do golpe de Estado de 1964.”;
- Avenida General Enio Pimentel da Silveira: “Militar que serviu no DOI-CODI do I Exército, com participação comprovada em casos de tortura e desaparecimento forçado.”;
- Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior: “Delegado de Polícia envolvido em casos de tortura e ocultação de cadáveres.”;
- Rua Trinta e Um de Março: “Referência ao dia do golpe civil-militar.”;
A decisão judicial foi proferida em uma ação civil pública movida pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Defensoria Pública da União, que solicitavam que a Prefeitura fosse instada a apresentar, com urgência, um cronograma para a mudança dos nomes de vias e espaços públicos que homenageiam pessoas responsáveis por crimes de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos.
As entidades apresentaram um relatório da Comissão da Memória e Verdade e do programa “Ruas da Memória”, que mapeou 38 locais em São Paulo que homenageiam pessoas ligadas à ditadura, 22 delas com envolvimento direto na repressão. O documento também apontou 17 equipamentos municipais que perpetuam essas homenagens.
O juiz Luis Manuel Fonseca Pires ressaltou a “ampla e sólida” fundamentação jurídica que impõe o reconhecimento do direito à memória política, associado à democracia e ao Estado de Direito. Ele observou que, apesar dessa estrutura jurídica, o direito à memória política ainda tem pouca ressonância nas políticas públicas. O magistrado citou uma pesquisa de 2019 que revelou que 90% dos brasileiros desconhecem o que foi o AI-5, “símbolo maior da ditadura que dominou o país por 21 anos”.
Segundo Pires, o direito à memória política deve ser respeitado e promovido pelo Estado, que deve “fomentar políticas públicas para a formação de uma consciência crítica sobre a essencialidade da democracia e a defesa intransigente da dignidade da pessoa humana”.
“O direito à memória política assegura a conscientização da sociedade sobre os momentos em que o poder lhe foi subtraído, os meios pelos quais a opressão ascendeu. A compreensão da violência do Estado e dos abusos dos agentes públicos consubstanciam um direito essencial para a construção da democracia, valorização da dignidade da pessoa humana e resistência ao autoritarismo”, concluiu.
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