Anvisa avalia novas regras para venda de Ozempic e medicamentos similares
Proposta inclui retenção de receita e visa coibir uso inadequado para emagrecimento
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está considerando a implementação de normas mais rigorosas para a comercialização de medicamentos análogos ao GLP-1, como Ozempic e Wegovy, que são utilizados no tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade. A proposta busca aumentar a segurança na venda desses produtos, que atualmente são classificados como tarja vermelha, exigindo apenas a apresentação de uma receita médica, mas sem a retenção da mesma nas farmácias.
Nos últimos anos, a venda desses medicamentos tem sido facilitada, permitindo que sejam adquiridos sem a devida supervisão, o que levanta preocupações sobre o uso indiscriminado, especialmente para fins estéticos. A Anvisa aponta indícios de que muitos pacientes estão utilizando esses remédios sem acompanhamento médico adequado, o que pode resultar em sérios problemas de saúde.
Conforme a legislação brasileira, a venda de medicamentos com prescrição deve ocorrer mediante a apresentação e análise da receita. No entanto, a falta de mecanismos de controle tem levado a uma violação da Lei 5.991, de 1973, e da Resolução 44, de 2009. A advogada especializada em Direito Médico, Thamires Cappello, destacou que já existem projetos de lei em tramitação no Congresso que visam classificar esses medicamentos em uma categoria mais restritiva, semelhante ao controle de antibióticos, que exige a retenção da receita no ato da compra.
O assunto foi debatido em uma audiência pública realizada em 11 de dezembro, convocada pelo deputado Dr. Francisco (PT-PI), relator do PL 2.115, de 2024. Durante a discussão, a Anvisa apresentou sua proposta de que os medicamentos agonistas de GLP-1 sejam vendidos apenas com a retenção da receita, o que alteraria a norma estabelecida pela Resolução 471, de 2021.
Thamires Cappello explicou que a proposta visa manter os medicamentos como tarja vermelha, mas com a obrigatoriedade de retenção da receita nas farmácias. “O objetivo é garantir que esses medicamentos continuem disponíveis, mas sob um controle mais rigoroso, evitando seu uso inadequado”, afirmou.
O presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, Bruno Halpern, alertou que o uso inadequado do Ozempic para fins estéticos pode acarretar sérios problemas de saúde, como pancreatite. “Confunde-se o tratamento da obesidade com o desejo social de emagrecer”, disse Halpern, enfatizando a necessidade de um acompanhamento médico adequado.
As entidades médicas, incluindo a Abeso, a Sociedade Brasileira de Diabetes e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, apoiam a proposta da Anvisa, ressaltando a importância de um uso responsável e seguro dos agonistas de GLP-1. Em uma carta aberta, as sociedades expressaram preocupação com o aumento da procura por esses medicamentos sem receita, alertando que isso pode comprometer a saúde da população e dificultar o acesso de quem realmente necessita do tratamento.
Dados recentes indicam que, apenas neste ano, mais de 3 milhões de unidades do Ozempic foram vendidas no Brasil, representando um crescimento de 663% nas vendas nos últimos seis anos. Essa popularidade, embora justificada pelo tratamento de condições crônicas, também levanta questões sobre o uso para emagrecimento, que não é a indicação principal do medicamento.
Além disso, informações do sistema VigMed da Anvisa revelam que, entre janeiro de 2012 e setembro de 2024, foram registradas 1.165 notificações relacionadas a eventos adversos associados ao uso de substâncias como liraglutida, dulaglutida, semaglutida e tirzepatida. Comparando os dados brasileiros com os globais, 32% dessas notificações estão ligadas ao uso não previsto em bula, o que é significativamente maior do que a taxa global de 10%. Isso acende um alerta sobre a necessidade de medidas que fortaleçam o controle e desencorajem o uso irracional desses medicamentos.
Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, destacou que a questão central é a falta de fiscalização na venda de medicamentos de tarja vermelha. “O país virou um comércio aberto de medicamentos”, afirmou, ressaltando que a retenção da receita pode não resolver o problema e, possivelmente, aumentar a falsificação desses produtos.
Por outro lado, a farmacêutica Monica Lenzi, representante do Conselho Federal de Farmácia, afirmou que a responsabilidade pela fiscalização da venda sem receita não é da entidade, mas sim das vigilâncias sanitárias estaduais e municipais. A proposta da Anvisa, que deve ser avaliada no início de 2025, visa criar um ambiente mais seguro para a comercialização desses medicamentos, garantindo que apenas aqueles que realmente necessitam tenham acesso a eles.
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