Lobby do agronegócio garante redução de impostos sobre agrotóxicos na reforma tributária
Análise revela como emendas propostas por deputados favorecem o uso de agrotóxicos, com apoio de lobbies do setor agrícola.
Na tarde do dia 9 de julho, os corredores da Câmara dos Deputados estavam repletos de deputados federais, empresários e lobistas que se preparavam para a votação do projeto de reforma tributária, agendada para o dia seguinte. Apesar de meses de discussões, um setor específico ainda não estava satisfeito: o agronegócio.
Naquela tarde, cinco emendas idênticas, apresentadas por diferentes deputados, chegaram ao Plenário. O texto pedia a inclusão de produtos e serviços agrícolas, como vacinas e melhoramento genético, na lista que teria uma redução de 60% nas alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos criados pela reforma.
O objetivo dessas emendas era baratear insumos e serviços utilizados pelo agronegócio. Horas depois, parte das solicitações foi atendida e aprovada, incluindo a pulverização contra pragas, normalmente realizada com agrotóxicos, na lista de produtos com impostos reduzidos.
A inclusão foi mantida no Senado e, caso não seja vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entrará em vigor. A aprovação da emenda que favoreceu a pulverização de agrotóxicos contou com a atuação de cinco deputados: Daniela Reinehr (PL-SC), Luiz Nishimori (PSD-PR), Marússia Boldrin (MDB-GO), Zé Vitor (PL-MG) e Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Questionados pela reportagem, os deputados não responderam sobre como cinco deles apresentaram exatamente o mesmo texto no mesmo dia. A análise de dados revelou que os metadados dessas emendas indicam que foram redigidas total ou parcialmente pela mesma pessoa, um gerente técnico de uma entidade ligada ao agronegócio.
Os metadados são informações que arquivos digitais carregam e podem revelar a data e o local de criação, além do nome da pessoa ou empresa vinculada ao computador que gerou o documento. Essa análise foi realizada ao longo de quatro meses, durante os quais foram extraídos os metadados de mais de 3 mil emendas apresentadas na Câmara e no Senado durante a tramitação da reforma tributária.
A análise mostrou que parlamentares apresentaram emendas que indicam ter sido redigidas em computadores de lobistas de setores como o carvão mineral e o agronegócio. Na Câmara, das 809 emendas apresentadas, pelo menos 18 estavam potencialmente vinculadas a empresas privadas ou associações de classe.
A atuação de lobistas no Congresso Nacional não é regulamentada no Brasil, mas também não é considerada ilícita, embora tenha adquirido uma conotação negativa nas últimas décadas. Especialistas afirmam que, nos casos analisados, não há indícios de crime ou ilegalidade nas ações dos lobistas.
No entanto, a falta de transparência nas relações entre parlamentares e lobistas, somada às desigualdades financeiras entre diferentes grupos sociais, pode permitir que setores mais poderosos exerçam uma influência desproporcional sobre as leis e políticas públicas, prejudicando as camadas menos favorecidas da população.
Durante a tramitação da reforma tributária, diversas entidades do agronegócio mobilizaram seus lobistas em Brasília, mas poucas tiveram o sucesso e a intensidade de atuação do Instituto Pensar Agro, fundado em 2011 e que reúne 48 entidades do setor agropecuário do país. O instituto tem como objetivo defender os interesses da agricultura e prestar assessoria à FPA.
A análise dos metadados sugere que das 809 emendas propostas, 72 foram redigidas em dispositivos de usuários vinculados ao Instituto Pensar Agro, representando 9% do total. Dentre essas, 18 foram aprovadas, incluindo as que garantiram a redução de impostos sobre a pulverização de agrotóxicos.
O número de emendas redigidas por lobistas pode ser maior do que o encontrado, já que os metadados podem ser facilmente modificados ou removidos. A maioria das emendas analisadas apresentava o campo "autor" vazio.
Uma das estratégias do Instituto Pensar Agro é fazer com que uma mesma emenda seja apresentada por vários parlamentares ao mesmo tempo. Essa tática foi utilizada para incluir a pulverização de agrotóxicos na lista de serviços com impostos reduzidos, além de emendas que isentaram proteínas animais, como carne bovina e frango, do IBS e CBS.
Essas emendas, embora beneficiem famílias de baixa renda ao reduzir impostos sobre alimentos, também favorecem empresários do agronegócio, que garantem menos impostos sobre suas vendas. A análise dos metadados revelou que as emendas que incluíram a carne na cesta básica e as que reduziram tributos para a pulverização de agrotóxicos foram redigidas pela mesma pessoa: Gabriel Lemos, gerente técnico da FPA e do Instituto Pensar Agro.
Apesar de sua vinculação à FPA, Lemos não consta da folha de pagamento da Câmara, o que sugere que sua remuneração é paga pelo Instituto Pensar Agro. O instituto e a FPA não responderam aos questionamentos da reportagem.
Outro caso que chamou atenção foi a emenda 405-U, apresentada pelo senador Jorge Seif (PL-SC), que foi registrada como "Emenda ao PLP 68/2024 - Zancan", em homenagem a Fernando Luiz Zancan, um dos principais lobistas do setor de combustíveis fósseis do Brasil. A emenda propõe isenções de tributos sobre transações envolvendo carvão mineral e gás natural, o que poderia beneficiar diretamente empresas do setor.
A falta de regulamentação do lobby no Brasil gera preocupações sobre a influência desproporcional de grupos de interesse sobre a legislação. Especialistas defendem a criação de um banco de dados que registre as interações entre parlamentares e lobistas, a fim de aumentar a transparência e permitir que a sociedade compreenda melhor os interesses que influenciam as decisões legislativas.
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