Justiça federal suspende resolução do Conanda sobre aborto legal para menores de idade
Decisão atende a pedido da senadora Damares Alves e revoga norma que regulamentava atendimento a vítimas de violência sexual
A Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, nesta terça-feira (24), uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que regulamentava o aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A decisão foi tomada pelo juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio, que atendeu a um pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
A resolução, aprovada em uma reunião extraordinária na segunda-feira (23), tinha como objetivo assegurar o direito ao aborto em casos de gravidez resultante de violência sexual, risco à vida da gestante ou anencefalia do feto. No entanto, a senadora alegou que houve atropelo regimental durante a votação, uma vez que um membro do colegiado solicitou vista do processo, o que não foi acatado pela presidente do Conanda, Marina De Pol Poniwas.
O juiz Tocchetto argumentou que a negativa ao pedido de vistas violou o devido processo legal e comprometeu a segurança jurídica necessária para decisões dessa magnitude. Em sua decisão, ele afirmou: “Não entendo razoável colocar em risco uma infinidade de menores gestantes vítimas de violência sexual, mormente nessa época do ano, sem que haja a ampla deliberação de tão relevante política pública”.
A resolução do Conanda previa que, em situações de aborto legal, crianças e adolescentes poderiam optar pela interrupção da gestação sem a necessidade de autorização dos pais. Além disso, não seria exigida a apresentação de boletim de ocorrência para identificar o agressor, em casos de violência sexual.
O magistrado destacou que a resolução poderia produzir efeitos jurídicos imediatos e comprometer o resultado útil do processo, caso as ilegalidades apontadas fossem confirmadas. A decisão de suspender a norma impede sua publicação no Diário Oficial da União (DOU) até que a questão seja resolvida.
A aprovação da resolução pelo Conanda gerou reações polarizadas no cenário político. Parlamentares favoráveis e contrários à medida se manifestaram nas redes sociais, refletindo a divisão entre os grupos. A deputada federal Carla Zambelli (PL) classificou o texto como “perverso, antidemocrático e anticientífico”, enquanto a deputada Sâmia Bomfim (PSOL) defendeu que a aprovação é “um passo importante para proteger crianças e adolescentes, assegurando seus direitos”.
Além das críticas, a resolução também foi alvo de questionamentos por parte de organizações que atuam na defesa dos direitos humanos. A campanha Nem Presa Nem Morta, que defende a descriminalização do aborto no Brasil, e o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde expressaram sua insatisfação com a postura do governo em relação à aprovação da norma, afirmando que a atitude foi “constrangedora”.
Por outro lado, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) apontou irregularidades no processo de votação, alegando que a condução da reunião violou o regimento interno do Conanda e que a resolução extrapolou as competências normativas do órgão.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 indicam que o Brasil registrou 83.988 casos de estupro, com uma média de uma ocorrência a cada seis minutos. A maioria das vítimas são meninas menores de 13 anos, e 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos. Essa realidade reforça a urgência de políticas públicas que garantam a proteção e os direitos das vítimas.
A votação da resolução ocorre em um contexto de crescente debate sobre os direitos reprodutivos e a proteção de crianças e adolescentes no Brasil. Em 2023, casos de meninas que foram obrigadas a interromper a gravidez após serem vítimas de violência sexual geraram ampla repercussão nacional, evidenciando a necessidade de um tratamento mais sensível e respeitoso para com as vítimas.
O governo federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, manifestou que a resolução deveria ser regulamentada por lei aprovada pelo Congresso, destacando a importância de um alinhamento com o arcabouço legal brasileiro. A ministra Macaé Evaristo, à frente do ministério, solicitou uma análise mais detalhada da proposta antes de qualquer deliberação.
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