Desvalorização do real provoca saída em massa de investimentos para os EUA
Temores fiscais no Brasil e juros americanos elevados impulsionam movimento de investidores em busca de segurança financeira
NOVA YORK - A recente desvalorização do real em meio a preocupações fiscais no Brasil, aliada ao fortalecimento do dólar com a volta de Donald Trump à Casa Branca, resultou em uma saída significativa de investimentos do Brasil para os Estados Unidos. Esse movimento, que já se intensificou, parece ter se estabelecido como uma tendência duradoura. Na corretora americana Avenue, que conta com o Itaú Unibanco como sócio, o volume de transações cresceu pelo menos 20% em dezembro em comparação a novembro, um mês tradicionalmente fraco devido às festividades de fim de ano.
Roberto Lee, fundador e CEO da Avenue, destacou em entrevista que “quando a percepção de risco Brasil se tornou mais evidente para o investidor, houve um movimento em massa de recursos para fora. Já superamos novembro e, provavelmente, teremos um volume entre 20% e 25% maior em dezembro”. Ele também observou uma mudança no perfil dos investidores que estão transferindo mais recursos para o exterior, com um aumento na presença de um público mais conservador.
Contrariando a lógica de que a alta do dólar leva os investidores a temerem perder oportunidades, os investidores conservadores tendem a agir de forma oposta. Eles se movem em busca de segurança, seguindo o conceito de “flight to quality”, ou voo para a qualidade. “Quando o dólar sobe, esse público conservador se movimenta apenas em momentos de insegurança. À medida que sentem mais risco, eles buscam alternativas mais seguras”, explicou Lee.
Mais de 80% dos recursos que estão sendo transferidos para os EUA estão sendo aplicados em títulos superconservadores, predominantemente em renda fixa de curto prazo. Esses investimentos incluem os Treasuries, títulos do Tesouro americano, que tiveram seus rendimentos elevados desde a vitória de Trump, além de dívidas de empresas americanas, conhecidas como bonds.
Dados do Banco Central indicam que o saldo de investimentos de brasileiros em ativos no exterior ultrapassou US$ 10,6 bilhões até novembro, mais do que o dobro do registrado em todo o ano de 2023, que foi de US$ 4,511 bilhões. O recorde anterior foi de aproximadamente US$ 15,4 bilhões em 2011, segundo a base histórica do BC, que se estende até 1995.
A expectativa de que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, cortará menos os juros em 2025 também é vista como um fator positivo para a migração de recursos brasileiros para os EUA. No entanto, o principal fator que continua a impulsionar essa tendência é a situação fiscal no Brasil, cujos temores aumentaram após o pacote do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), considerado insuficiente para conter o crescimento da dívida pública, levando o Banco Central a adotar uma postura mais rigorosa nas condições financeiras.
Na prática, a elevação das taxas de juros deveria servir como um atrativo para manter os recursos no Brasil. Contudo, a aversão ao risco tem levado os investidores a buscar segurança no exterior. O Credit Default Swap (CDS) de 5 anos do Brasil, que mede o risco de crédito, atingiu 218 pontos na semana passada, o maior nível desde março de 2023.
Lee comentou que “o ambiente seguro que antes era o CDI agora se tornou o offshore [exterior]. Isso se aplica a pessoas físicas, empresas e investidores institucionais, resultando em um movimento massivo de recursos para fora”. Ele também destacou que o volume atual de transferências na Avenue, que foi fundada há sete anos, é “inédito”. Contudo, ele acredita que esse movimento é estrutural e deve persistir mesmo que a taxa de câmbio se estabilize.
O trabalho realizado por instituições brasileiras sobre a importância da diversificação de investimentos no exterior tem contribuído para essa mudança. Lee enfatiza que a concorrência no setor é benéfica, afirmando que “mais do que dobramos a custódia de ativos nos Estados Unidos, que já era significativa, e isso foi impulsionado pelo Itaú, especialmente no último trimestre deste ano”.
Se o ritmo de transferências observado nos últimos meses se mantiver, o montante de ativos sob custódia pode triplicar até 2025, segundo as projeções do CEO da Avenue. A corretora é a terceira fundada por Lee, que anteriormente criou a WinTrade e a Clear, vendida à XP em 2014.
Além disso, o quadro de acionistas da Avenue pode passar por mudanças no próximo ano. Em dezembro de 2025, o Itaú terá o direito de aumentar sua participação na corretora de 35% para 50,01%. Lee afirmou que os múltiplos já estão definidos em contrato, e a base de acionistas inclui também o fundo japonês SoftBank e o Igah Ventures.
Lee descreveu a parceria com o Itaú como um “ganha-ganha”, ressaltando que “todos precisam fazer o negócio acontecer. O banco precisa liderar e nós precisamos crescer. O banco nos fornece tecnologias e governanças que não se obtêm apenas por vontade, mas com uma estrutura sólida”.
Se o Itaú não adquirir as ações restantes, como tem direito, Lee reafirma que a abertura de capital nos EUA em cinco anos seria o caminho natural, com a Nasdaq, a bolsa de tecnologia americana, sendo o provável destino.
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