Ministro Flávio Dino afirma que Lei da Anistia não se aplica a crimes de ocultação de cadáver
Decisão do STF abre debate sobre a validade da Lei da Anistia em relação a crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, manifestou-se recentemente sobre a aplicação da Lei da Anistia, afirmando que esta não pode ser utilizada para proteger crimes como a ocultação de cadáveres, cometidos durante o regime militar brasileiro (1964-1985). A declaração foi feita em uma decisão proferida neste domingo, que abre caminho para que a questão seja debatida em plenário.
A discussão surgiu a partir de uma denúncia apresentada em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra dois tenentes-coronéis do Exército, Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusados de homicídio qualificado e ocultação de cadáver durante a Guerrilha do Araguaia. Inicialmente, a denúncia não foi aceita, sob a justificativa de que a Lei da Anistia conferia proteção aos acusados.
Em 2024, um recurso do MPF foi admitido pelo STF, mantendo o processo contra Lício Maciel, uma vez que Sebastião Curió faleceu em 2022. A relatoria do caso ficou a cargo de Flávio Dino, que decidiu examinar se a Lei da Anistia se aplica a crimes que continuam a ser cometidos, como a ocultação de cadáveres.
Na sua decisão, o ministro destacou a “possibilidade de reconhecimento de anistia a crimes de ocultação de cadáver, cujo início da execução ocorreu antes da vigência da Lei da Anistia, mas que continuou a ser executado após sua vigência”. Ele enfatizou que a questão é de grande relevância e que a matéria possui repercussão geral.
Dino explicou que a decisão busca estabelecer jurisprudência sobre a aplicação da Lei da Anistia em relação a crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres, que, segundo ele, não se limita a atos físicos, mas também à manutenção da omissão sobre o paradeiro dos corpos. “A ocultação de cadáver não é apenas uma ação física, mas também a manutenção do silêncio sobre o local onde se encontra o cadáver, o que impede os familiares de exercerem seu direito ao luto”, afirmou.
O ministro também ressaltou que todos os cidadãos têm um direito natural e inalienável de velar e enterrar dignamente seus mortos, e que a ocultação de cadáveres é um crime que causa grande lesividade às famílias. “O crime de ocultação de cadáver tem uma altíssima lesividade, justamente por privar as famílias desse ato essencial”, disse.
Na decisão, Flávio Dino fez referência ao filme “Ainda Estou Aqui”, baseado na história de Rubens Paiva, um deputado desaparecido durante a ditadura militar. Ele destacou a dor de milhares de familiares que nunca puderam velar e enterrar seus entes queridos, sublinhando a importância de se reconhecer os direitos das vítimas de desaparecimento forçado.
O tema agora será levado ao Plenário do STF, onde se discutirá o alcance da Lei da Anistia em relação a crimes que continuam a ser consumados, como a ocultação de cadáveres. Dino deixou claro que a discussão não se trata de uma revisão da Lei da Anistia, mas sim de definir sua aplicação em casos específicos.
“No crime permanente, a ação se prolonga no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até sua entrada em vigor. Contudo, como a ação se prolonga, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, explicou o ministro, enfatizando que a lei não pode abranger fatos que ocorreram após sua vigência.
Por fim, Flávio Dino reiterou que a ocultação de cadáveres não se limita à ação física, mas inclui a omissão sobre o paradeiro, o que perpetua a dor das famílias. “A manutenção da omissão sobre o local do cadáver é uma prática criminosa que deve ser responsabilizada”, concluiu.
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