Estudo revela que supersalários custaram R$ 11 bilhões ao Brasil em 2023
Pesquisa aponta que 42,5 mil servidores recebem acima do teto constitucional, com forte concentração no Judiciário.
Um estudo recente, realizado pelo Movimento Pessoas à Frente, revelou que os gastos com supersalários, que ultrapassam o teto constitucional, custaram mais de R$ 11,1 bilhões aos cofres públicos em 2023. A pesquisa, que analisou os contracheques de servidores do Judiciário, Executivo e Legislativo, identificou que aproximadamente 42,5 mil servidores recebem salários superiores a R$ 44 mil mensais, valor que corresponde ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece o teto de vencimentos.
A pesquisa, intitulada “Além do teto: análise e contribuições para o fim dos Supersalários”, foi conduzida pelo economista Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral. O estudo foi encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente e apresenta dados alarmantes sobre a situação salarial no setor público.
Na última quinta-feira, 19, foi votada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 31/2007, que foi apensada à PEC 45/24, abordando a questão dos supersalários e propondo cortes de gastos. O texto atual, que altera a proposta original do Executivo, permite a manutenção dos chamados “penduricalhos”, benefícios que não são contabilizados nos salários.
Os penduricalhos incluem uma variedade de benefícios, como auxílios para creche, alimentação, saúde, livros, vestuário, quinquênios, bônus por produtividade e até o auxílio-peru, um abono de Natal. Carazza analisou as folhas de pagamento disponíveis no Portal da Transparência do Executivo Federal, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na plataforma Dadosjusbr, que compila informações do Ministério Público, e na seção de dados abertos da Câmara dos Deputados, abrangendo mais de um milhão de servidores.
Os dados revelam que 93% dos juízes e 91,5% dos integrantes do Ministério Público recebem acima do teto salarial. Em contrapartida, apenas 0,7% dos profissionais da Câmara dos Deputados e 0,14% do Executivo Federal, incluindo civis e militares, ultrapassam o limite estabelecido. Apesar de representar menos de 40 mil pessoas, os servidores do Judiciário e do Ministério Público são responsáveis por 70% do total de supersalários identificados.
Entre os 42,5 mil servidores que recebem acima de R$ 44 mil mensais, 28.780 pertencem ao Judiciário e ao Ministério Público. Juntos, esses dois órgãos somam 31 mil servidores. No Executivo Federal, cerca de 1 milhão de servidores, apenas 13.568 (0,14%) ganham penduricalhos que os colocam acima do teto constitucional, com a maior parte concentrada em carreiras específicas, como advogados públicos, diplomatas e militares. Na Câmara dos Deputados, dos 21.448 servidores ativos, apenas 152 (0,7%) recebem mais do que um ministro do STF.
Carazza ressalta que os R$ 11,1 bilhões são uma estimativa subestimada, uma vez que há uma falta de dados abertos e transparentes. “Embora seja um valor significativo, é apenas uma amostra do total, já que não conseguimos pesquisar Estados, municípios e tribunais de contas”, afirma Carazza. “A conclusão mais importante deste estudo é que qualquer discussão sobre supersalários deve incluir o Judiciário e o Ministério Público, pois são nessas áreas que se concentram os maiores salários”, complementa o economista.
Entre os principais gastos, destacam-se as indenizações por férias não gozadas, que consumiram R$ 1 bilhão dos cofres públicos no Judiciário, enquanto o Ministério Público gastou R$ 464,2 milhões. As gratificações por exercício cumulativo de ofícios custaram R$ 788,9 milhões no Judiciário e R$ 508,7 milhões no Ministério Público. Os pagamentos retroativos somaram R$ 2 bilhões e R$ 1,1 bilhão, respectivamente.
Lucas Porto, gerente de advocacy do Movimento Pessoas à Frente, destaca que um quarto da população acredita que os servidores públicos recebem acima do teto. No entanto, ele ressalta que isso se concentra em uma pequena minoria. “A média salarial é de R$ 3.300. Divulgar este estudo ajuda a aumentar a confiança nas instituições e a desmistificar a percepção sobre o serviço público. Além disso, é urgente a criação de uma estrutura remuneratória que combata a desigualdade”, afirma Porto.
Segundo Carazza e Porto, as mudanças na PEC podem permitir que os supersalários do Judiciário e do Ministério Público sejam mantidos. Isso ocorre porque o texto original exigia que as regras fossem estabelecidas por meio de lei complementar, que requer mais discussões do que uma lei ordinária. Assim, as resoluções dos conselhos do Judiciário e do Ministério Público poderão criar normas que mantenham ou até ampliem os benefícios.
Uma das várias leis ordinárias em tramitação é o projeto de lei 2.721 de 2021, atualmente no Senado Federal. A proposta, uma “reciclagem” de uma anterior de 2016, cria 32 exceções ao teto. De acordo com os cálculos de Carazza, quatro dessas exceções podem impactar o orçamento em R$ 3,4 bilhões: o pagamento em dobro do adicional de um terço de férias, a gratificação por exercício cumulativo de ofícios, o auxílio-alimentação e o ressarcimento de despesas com plano de saúde.
Se aprovado, o PL 2.721 pode gerar um “efeito cascata”, pois abre espaço para que servidores do Executivo que ganham menos do que o teto solicitem equiparação, o que pode resultar em um rombo de R$ 26,7 bilhões nas contas públicas.
Um estudo da instituição República.org, intitulado “Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público”, indica que os penduricalhos acima do teto remuneratório do funcionalismo público custaram ao menos R$ 20 bilhões entre 2018 e 2024. O levantamento revelou que 22,7% dos gastos extras referem-se às chamadas “rubricas despadronizadas sem identificação”.
“Essas despesas não seguem um padrão estabelecido, como, por exemplo, gastos com alimentação em outros locais. Isso representa uma brecha para a falta de transparência e controle, já que não é possível analisar o rastro desses gastos”, afirma Ahmed El Khatib, professor e coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e professor adjunto de finanças da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
El Khatib argumenta que esse valor poderia ser direcionado a outros investimentos. “Considerando o contexto brasileiro, que é um país em desenvolvimento, esse custo elevado poderia ser alocado em outras áreas. Estamos discutindo cortes de gastos e reformas, e cada bilhão conta”, conclui.
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