Uma operação do Ministério do Trabalho resultou no resgate de uma mulher que trabalhou por 28 anos sem direitos básicos.
22 de Dezembro de 2024 às 12h07

Vereadora é acusada de manter trabalhadora em condições análogas à escravidão

Uma operação do Ministério do Trabalho resultou no resgate de uma mulher que trabalhou por 28 anos sem direitos básicos.

Uma operação realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em colaboração com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, resultou no resgate de uma trabalhadora doméstica que esteve em condições análogas à escravidão. A mulher, de 61 anos, foi encontrada na residência de uma vereadora de Além Paraíba, em Minas Gerais, onde trabalhou por 28 anos sem receber salários ou ter acesso a direitos trabalhistas.

A vítima, oriunda da zona rural de Leopoldina (MG), nunca teve acesso à educação formal e, portanto, não aprendeu a ler ou escrever. Durante a inspeção, os fiscais constataram que ela não tinha direito a descanso, lazer ou qualquer forma de vida social. O relatório de fiscalização destacou que as violações vão além da simples negação de direitos, incluindo a usurpação de períodos de descanso e a negação do básico para a existência da trabalhadora.

Em depoimento, a trabalhadora relatou que nunca recebeu salário e que, quando precisava comprar algo, pedia à vereadora. Ela afirmou que a patroa dizia que o dinheiro de sua remuneração estava guardado em um banco, mas não sabia qual, não tinha cartão e desconhecia o valor que lá estava.

A vereadora, que está em seu terceiro mandato, negou as acusações de exploração, afirmando que a trabalhadora era “uma pessoa da família”. No entanto, contradizendo o relato da empregada, a vereadora afirmou que a trabalhadora não tinha conta bancária e que os pagamentos eram feitos em espécie, sem apresentar comprovantes.

O auditor fiscal responsável pela operação, Luciano Pereira de Rezende, destacou o engano ao qual a trabalhadora foi submetida. Ele mencionou que, nas raras visitas que ela fazia à sua família, a vereadora dava algum dinheiro, iludindo os parentes sobre sua situação. As sobrinhas da trabalhadora começaram a investigar a situação quando perceberam que ela já tinha direito à aposentadoria e foram atrás dos empregadores para obter documentação.

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Além de realizar todas as tarefas domésticas, a trabalhadora também atuava como cuidadora noturna do marido da vereadora, que possui sérios problemas de saúde. Ela relatou que não conseguia dormir direito, pois tinha que compartilhar o quarto com ele, e chegou a sugerir a contratação de uma enfermeira, mas a proposta foi negada sob a justificativa de que isso custaria muito.

O histórico previdenciário da trabalhadora revelou irregularidades significativas. Apesar de ter trabalhado por quase três décadas, apenas 3 anos e 9 meses de contribuições ao INSS foram registrados, o que inviabiliza sua aposentadoria. Essa situação foi um dos motivos que levaram suas sobrinhas a denunciar a vereadora.

A operação de resgate ocorreu em 2 de dezembro de 2024, após o Ministério Público do Trabalho receber uma denúncia. Uma medida cautelar da Justiça permitiu a entrada na residência dos empregadores. Ao ser informada sobre o resgate, a trabalhadora reafirmou seu desejo de deixar a residência.

Os auditores emitiram uma guia de seguro-desemprego, ao qual os trabalhadores em situação de escravidão têm direito, e acionaram o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) para garantir suporte à mulher em sua nova vida. A família da vereadora foi autuada em 11 infrações trabalhistas, incluindo a manutenção de empregado em condições análogas à escravidão e o não pagamento de salários. Os direitos e verbas rescisórias devidas à trabalhadora somam mais de R$ 640,7 mil.

Um acordo de R$ 400 mil foi fechado com o Ministério Público do Trabalho para indenização por danos morais individuais. O caso também será investigado criminalmente, e a situação da trabalhadora levanta questões sérias sobre a exploração de trabalhadores domésticos no Brasil.

O resgate da trabalhadora é um lembrete da persistência de práticas de trabalho escravo contemporâneo no país, que, apesar de ilegal, ainda afeta muitas pessoas em situações vulneráveis.

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